A Escola Frente ao Contexto Tecnológico

Valnice Sousa Paiva*
Lima, criticando a postura da escola, observa que até instituições como companhias de seguro já se transformaram quase completamente; no entanto “a classe-padrão – especialmente do ponto de vista pedagógico – é ainda idêntica à de trinta ou mais anos atrás” (1996, p.15). Portanto, para ele, como as tecnologias interferem diretamente em todos os elementos contidos no contexto de sua atuação, modificando-os, a educação escolar continua a alimentar uma inadequação à sociedade.

Contudo, estas mudanças não precisam ser necessariamente no sentido de adaptar o contexto às tecnologias. No caso da educação, especialmente, o uso destas tecnologias pode ser estruturado em benefício de uma educação que gere e organize processos de inter-relação cultural, que sintonize esta educação com o seu entorno, que considere os condicionantes sociais, buscando compreender suas influências, assim como, as vantagens e desvantagens para a comunidade e a emancipação do sujeito participativo, cooperativo e conseqüente. Milton Santos focaliza precisamente este aspecto, quando argumenta sobre a incorporação dos elementos técnicos que propiciaram o tipo de globalização adotada pelo nosso país:

A mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. Basta que se completem as mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana.
A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais – ao contrário das técnicas das máquinas – são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão ao serviço do homem (Santos, 2000, p.174).

A educação no mundo das comunicações, em que os meios de comunicação de massa se converteram no ambiente onde as novas gerações crescem e acessam à realidade, tendo sua visão de mundo, de história e de homem em estreita relação com as suas edições (Ferrés, 1996, p. 9), exige uma nova dinâmica da instituição escolar e de todos os seus agentes: alunos, pais, diretores, funcionários e professores. Destaco os últimos, por considerar a sua formação o eixo central nos meus questionamentos. A eles deve ser atribuída uma posição preponderante para a gestação de: “Uma educação que não desconheça a realidade de cada um dos seus partícipes, que não desconheça a realidade maquínica do mundo contemporâneo. Que não espere receitas prontas...” (Pretto, 1996, p.131).


Não posso desconsiderar que se tem tentado incorporar a cultura audiovisual na escola. Isso aconteceu, no entanto, através de um processo inadequado, ou seja, acreditando-se que a aquisição de equipamentos se constitua na ação principal, quando, na verdade, se entra nos caminhos sugeridos pelo mercado. Nem a escola, nem os professores têm sido preparados, de antemão, para a recepção das inovações tecnológicas. Desta forma, os equipamentos, muitas vezes, têm sido destinados a permanecerem nos armários.


Em outros casos, as experiências ensaiadas, normalmente têm sido realizadas sem a devida reflexão sobre seus efeitos, objetivos, contribuições ou potenciais, pois é importante perceber que não se trata de, simplesmente, introduzir na escola a utilização de recursos tecnológicos, como instrumentos (Pretto, 1996, p.112), de modernização tampouco preparar o jovem para o uso racional desses meios. Estas atividades são importantes, mas, se reduzidas a este círculo, estaremos limitando as possibilidades dessas tecnologias e – muito mais grave – negligenciando a interação dos jovens com os avanços de sua época, devido a um sistema de educação deslocado de sua cultura.


As novas tecnologias da comunicação e informação que, hoje, transitam por nossas vidas tão livremente quanto os livros que, há pouco tempo atrás, circulavam em nossas escolas sem concorrência, segundo Babin (1989, p.11), têm feito surgir um homem diferente. Para este autor, “o meio tecnológico moderno, em particular a invasão das mídias e o emprego de aparelhos eletrônicos na vida quotidiana, modela progressivamente um outro comportamento intelectual e afetivo”. Esta transformação vem a ser uma característica própria de qualquer tecnologia que, no jogo, onde interage com o seu usuário, como já referido anteriormente, provoca mudanças. “Quer dizer, a aparição e o uso de novas tecnologias provocam alterações nas formas de pensamento e de expressão, nos processos e atitudes mentais, nas pautas de percepção, na proporção dos sentidos” (Ferrés, 1996a:13). McLuhan (apud Ferrés, 1996a, p.13), explicita que:


(...) os meios de comunicação, transformando o ambiente, fazem surgir em nós relações únicas de percepção sensorial. A extensão de um sentido qualquer transforma nossa maneira de pensar e de atuar, nossa maneira de perceber o mundo. Quando mudam tais relações, o homem se modifica.


Este é um dado de fundamental importância para atuação dos educadores da contemporaneidade. Estamos educando em um tempo de transição, ou seja, diferentemente de outros momentos, quando a escola era a instância socializadora de maior eficácia e a linguagem escrita e oral eram as únicas possíveis na escola. Hoje, em seus domínios, ocorre o adentramento de outras mídias, mesmo que isso não aconteça fisicamente, pois os efeitos e imagens produzidos por elas são levados para a escola, através das nossas experiências vividas em outros ambientes.


A geração audiovisual não exclui a importância da cultura de Gutenberg, embora tenha incorporado outras culturas e se movimente entre elas. As crianças, principalmente as urbanas, não conheceram um mundo sem televisão e, por isso, não apresentam dificuldades em se relacionar com ela e com outros meios tecnológicos do nosso tempo.
Entre os adultos, porém, muitos consideram “difícil aceitar a idéia do esboço de uma nova cultura porque são impedidos pelo meio de nascença e por seu referencial” (Babin, 1989, p.18). Mas, independente da nossa aceitação, é bastante perceptível, em nosso entorno, a ação da cultura tecnológica, porque qualquer “invenção técnica assumida como tal provoca uma modificação mais ou menos profunda no ecossistema que a acolhe” (Ferrés, 1996a, p.31). Mesmo o computador, embora um pouco menos acessível, já faz parte do imaginário de grande parte da população.


As nossas escolas ainda não “despertaram” para a importância desta nova realidade. Neste sentido, se a escola é uma instituição que trata de “formar o cidadão”, como pode continuar desconhecendo que existe um novo homem forjado pelas novas tecnologias? Que essas tecnologias instauraram uma nova dinâmica no mundo? E, conseqüentemente, se torna necessário contribuir para formação desse homem, que atuará em um mundo onde ocorrem mudanças com velocidade antes nunca vista?


Nesse novo contexto, Machado (apud Pretto, 1996, p.21) menciona que “parece ser de fundamental importância o domínio dos processos tanto de recepção como de produção”. O deslocamento da escola, que transmite conteúdos prontos, para a escola, que produz coletivamente, é uma exigência contemporânea, sabendo-se que não podemos mais considerar o conhecimento em uma dimensão estática. Para Babin (1989), a escola deveria ser um lugar de comunicações, o que, para Levi (1993), implica compartilhar sentidos. Ela não pode ser “(...) uma escola-loja para consumir o saber, mas uma escola-mesa. Mesa sobre a qual se coloca junto o que se aprendeu, a fim de ligar, isto é, de completar, relativizar, criticar e confrontar o aprendido com a sociedade e a ação” (Babin, 1989, p.150). Ao mediar este processo comunicativo, e aproveitando o potencial tecnológico disponibilizado, a escola, então produtora de bens simbólicos, aproxima a educação da comunicação e passa a ter um outro significado (Pretto, 1996, p.21), inclusive se aproximando mais de uma instância de produção do conhecimento.


A escola não tem mais condições de estar fora deste debate, sua transformação tornou-se uma prioridade e, para isto, impõe-se necessária a contribuição das universidades que, sem dúvida, devem ser “o local privilegiado para pesquisa e discussão das questões ligadas ao novo milênio, em especial quando nos referimos aos meios de comunicação e sua necessária incorporação pela educação” (Pretto, 1996, p.119).

*Pedagoga, Mestre em Educação pela UNEB - Universidade do Estado da Bahia. Professora da UNEB.

Referências Bibliográficas

  • BABIN, Pierre; KOULOUMDJIAN, Marie-France. Os Novos Modos de Compreender - a geração do audiovisual e do computador. Tradução Maria Cecília Oliveira Marques. São Paulo: Paulinas, 1989.
  • FERRÉS, Joan. Vídeo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
  • LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação. 21. ed. São Paulo: Vozes, 1996.
  • LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: 34, 1993 (Coleção Trans).
  • PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia. São Paulo: Papirus, 1996.
  • SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.